segunda-feira, março 04, 2013

Hiroshima (às almas das vítimas do bombardeio)

(SUGESTÃO DE ÁUDIO PARA COMPLEMENTAR A LEITURA)


5:30 p.m.

— Esse aqui é um dos últimos caixotes, já eu tô indo pra casa!

Não esquece que amanhã você entra mais cedo, Hiroyuki. Eu não tenho condições de trabalhar sozinho quando o carregamento chegar.

O Sol estava quase se pondo na cidade de Hiroshima. Meiying era uma imigrante chinesa que acabara de conseguir um emprego como secretária numa multinacional e encerrava o expediente no mesmo horário em que seu namorado, Hiroyuki.

Essa é uma daquelas paixões avassaladoras (e verdadeiras), que nunca deixam de impressionar pela falta de pudor no que diz respeito aos limites do sentimento e pelo próprio tempo de aproximação entre as duas pessoas. Só o ataque de uma esgrima seria capaz de partir dois corações que não se afastam de nenhuma maneira, como gêmeos siameses, e a distância nunca é nada.

8:15 p.m.

— Diga-me, meu amor, o que se pode encontrar de mais puro e tenro dentro de você desde que nos conhecemos?

— Meu amor — Hiroyuki ri, agraciado —, eu olho para seus olhos e sinto vibrar-me. E essa vibração indica que você conseguiu alcançar o mais profundo e antes apagado ponto da minha alma. Era secreto, inalcançável, até esquecido, chame-lhe como for, mas agora é seu.

— TODO meu?

— Eu sou todo seu. E nós? Ah, nós somos um só agora.

2:22 a.m.

Longe dali se encontrava o artefato que não só afastaria seus corações, como também os mutilaria penumbrosamente. O Enola Gay, que carregaria alguns tripulantes prontos para soltá-lo em âmbito terrestre em alguns minutos, estava sofrendo os últimos ajustes.

A noite se arrastava longa e morria com o passar das horas. O casal se marginalizava do mundo entorpecendo-se com um filme nostálgico, que lembrava-lhes minúcias do passado tão quanto os unia ainda mais. Um laço de perfeição estética caso fosse físico e material; mas imaterial era aquela maneira de ser e de viver.

8:16 a.m.

A plenos vapores o explosivo de proporções catastróficas foi despejado. Um grito de guerra foi enunciado pela bomba que agora rumava em direção às vidas construídas e desconstruídas lá embaixo.

E, não obstante a sede de sangue em conjunto com a ‘’busca definitiva por paz’’ que exalava, o Little Boy irradiava contaminação, sufocando os que tivessem a certa distância do epicentro da explosão.

*

Fazia-se tarde para os que tivessem arrependidos. Vida extinta no perímetro que antes confortava corações e pessoas; as vidas de Hiroyuki e Meiying se foram junto com doze horas e um minuto.


Mas um sentimento verdadeiro nunca se nega, nem nunca acaba.


‘’Não existe argumento mais forte a favor da paz do que a imagem de Hiroshima devastada. ’’ — Opinião final dos analistas responsáveis por documentar os efeitos do bombardeio (relatórios da década de 40).



Little Boy: nome da bomba nuclear lançada em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945. 

2 comentários:

Rangel disse...

Olá, desde já quero deixar meus parabéns pelo texto, o título por si nos faz pensar o caso que sem sombra de dúvidas é um marco de rastros nada agradáveis; imagina essa loucura em nossos dias...! Me cadastrei nesse site: http://www.e-mai.net/rjs se quiser fazer um teste fique à vontade. Um abraço e obrigado por visitar e deixar um comentário em meu site.

PHTannisRoot disse...

Opa, muito obrigado! Só quis transmitir o que sinto por saber de tudo isso.
Vou ver se conheço mais esse site.

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